O correr dos dias não para de me trazer reflexões sobre a pressa que as redes sociais virtuais geram na gente. Não é à toa que todo mundo anda debatendo este assunto, até leveri para a terapia. As receitas rápidas muitas vezes se perdem; a dica esperta que conta detalhadamente como usar um ingrediente desconhecido é esquecida; o tempo dedicado à captura fotográfica de mil ângulos de uma comida bonita vai para um arquivo nunca mais visitado…
O Black Alien traduziu meu sentimento, na música Take Ten: “entre milhões de views e milhões de ninguém viu”. Na maior parte das vezes, se alguém viu, finge que não viu. E, quem sabe, viu sem compreender?! O que faz sentido? Qual a mensagem que estou passando? Estou me fazendo clara? Qual o impacto?
Tudo isso me deixa ansiosa e também com saudade dos papos longos, que são possíveis somente na presença do outro. A troca virtual, ainda que feita com cuidado e um mínimo de continuação, carece de tato, tom de voz e da miniatmosfera formada pela presença dos corpos. Quero muito me tornar a pessoa que caminha mais devagar pela vida, mesmo que o mundo inteiro nos instigue a fazer o contrário.
Leituras que inspiram
Estava andando na rua pensando nessas coisas, num dia em que fui ao Centro resolver alguns problemas burocráticos, e me deparei com uma livraria pequenina anunciando livros de contos e crônicas culinárias em promoção. Como estou lendo alguns títulos políticos e outros bem técnicos ao mesmo tempo, queria comprar um “mamãozinho com açúcar” para contrastar.
Na bancada promocional estava o Minha Mãe Fazia, da Ana Holanda, e outros mais da Nina Horta. Como fiquei com uma certa preguiça da Nina depois de ler O Frango Ensopado da Minha Mãe, já que faz alegações desconectadas da realidade, do tipo: vegetal orgânico “é tudo meio miúdo e enrustido”; que para trabalhar na cozinha “sem humor e sem generosidade não vai dar” e que não adianta um cozinheiro vir alegar desinteresse “com essa de que sou pobre, não estudei, moro longe, a cozinha é muito quente” — como se a cozinha fosse um lugar fácil, que valoriza as pessoas as remunerando super bem… —, não tive dúvidas e investi no título da Ana Holanda. Talvez, mais para frente, meu ranço passe e eu consiga ler outras coisas da Nina por insistência de algumas amigas, pois de fato ela escreve muito bem e traz ideias interessantes de combinações de ingredientes quando não está fazendo ode ao porco. Não dá pra cancelar pessoas de outra época, preciso trabalhar isso no meu coração, ao mesmo tempo em que tenho dado mais atenção às autoras vivas, contemporâneas.
A Ana Holanda leciona aulas sobre escrita afetiva e, acredito que por isso mesmo, é uma autora com uma leveza que me teletransporta. Mesmo que eu não vá fazer nenhuma das receitas do livro, pois todas estão cheias de ingredientes animais que não consumo e ultraprocessados que eu evito na maior parte do tempo. O texto me pegou de jeito porque é um desejo antigo escrever sobre as memórias culinárias da minha família. Venho fazendo isso aqui e ali, mas nunca parei para reunir as escrevinhanças. Adorei o livro!
Me recordo apenas que, aos dez anos de idade, resolvi pegar escondido o caderno de receitas da minha mãe, que estava com muitas páginas soltas, prestes a se perderem, para digitalizar em segredo. Reuni com uma de minhas irmãs, a Lorena, para ajudar na missão e passamos dias na frente do computador trasladando os dizeres daquelas páginas tão bonitas, no intuito de não perder as informações contidas ali. Juntamos todas as nossas moedas para encadernar aquelas muitas folhas impressas numa capa dura de cor azul marinho e letras douradas em relevo. Minha mãe amou a surpresa, mas, depois de alguns anos, nos confessou que nunca confiou plenamente no livro, pois erramos na hora de digitar algumas quantidades — Hahahaha! —, então o que a tocou foi nossa atitude carinhosa.
Como resgatar memórias culinárias?
Sempre que pergunto, durante as aulas de planejamento alimentar que leciono, qual é o prato preferido da pessoa atendida, a maior parte simplesmente não sabe responder ou fala que é o “deliverie de sexta à noite”, sem nem ao menos especificar a comida em si.
Não quero viver num mundo onde nossa referência afetiva seja qualquer empacotado entupido de glutamato monossódico, muito menos numa sociedade sem fogão, como promete o iFood e companhia. Sei que poucos têm poder de escolha quando falamos de comida, mas, se depender de mim, quero encorajar sempre que possível as pessoas a irem para a cozinha, nem que seja para grelhar vegetais no café da tarde. Aqui, neste post, eu falo sobre memórias da minha infância com os pastéis da minha mãe!
Uma das ideias que sugiro às pessoas que fazem Consultoria de Planejamento Alimentar comigo e têm preguiça de se dedicar a um livro de receitas detalhado é a criação de um caderno de memórias. Quando a preguiça bater ou só vier à cabeça o mesmo fazer culinário de sempre, o caderno vai estar lá, repleto de ideias!
O meu funciona assim: na primeira parte, entram os leites vegetais; na segunda, as receitas de um tabuleiro só; na terceira, os antepastos fáceis de fazer para deixar na geladeira; na próxima, as combinações de temperos que aprendo estudando a Ayurveda; e por aí vai.
Sugiro que comece alimentando esse caderno devagarzinho, quem sabe ouvindo essa playlist que acabei de fazer: suavecito.
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