• Um dedo de prosa

    Lista de 10 atitudes para cozinhar mais em casa, parte 2

    Na tentativa de fazer as pessoas se aproximarem de seus fogões, criei a lista com 10 atitudes para cozinhar mais em casa, parte I, e de lá para cá tenho pensado bastante em como existem várias crenças que nos afastam desse autocuidado.

    Algumas delas estão impregnadas no inconsciente coletivo, como:

    – “Existe um tipo de corte para cada vegetal”

    – “Cozinhar requer muito planejamento”

    – “Cozinhar só pra mim é perda de tempo”

    – “Cozinhar é caro”

    – “Não tenho ideias nem experiência o suficiente”

    – “Não sei combinar temperos”

    – “Vou sempre levar horas para fazer um prato que as pessoas fazem em meia hora”

    – etc, etc.

    Para desmistificar essa ideia de que cozinhar é difícil, resolvi fazer outra lista com mais 10 atitudes para te motivar a cozinhar mais em casa.

    Bora juntos?

    Entenda sua história 

    Quando comecei a cozinhar, achava que tinha que produzir 5 pratos diferentes para o almoço, do mesmo jeito que via minha mãe e tias fazendo, o que me gerava uma preguiça enorme. Como não tinha um gatilho para me levar para a cozinha com frequência, ainda usava o que gosto de chamar de “substâncias alimentícias que quase ninguém sabe falar o nome”, ou seja, produtos industriais vendidos em pacotinhos milimetricamente pensados para fazer crer que ali dentro tem comida de verdade.

    Quando caiu a ficha que eu sou a única responsável pela minha própria alimentação, a coisa mudou de rumo e com o tempo foi surgindo o amor louco que hoje sinto pela cozinha.

    Mas acho que isso só aconteceu pois divido as tarefas de casa de forma igualitária com meu companheiro. Sei que essa divisão de tarefas está longe da realidade, já que as mulheres ficam com a bronca que é cuidar de si e dos outros na maior parte das vezes por causa do machismo que habita as cozinhas.

    Então, é importante entender se você está com sobrecarga de tarefas, pois, se for esse o caso, realmente cozinhar será uma tarefa complicada.

    Aliás, cozinhar realmente será difícil se a gente deixar de pensar na interação dos ingredientes ou se o único contato com a cozinha for um reality show que mostra vários equipamentos e ingredientes que talvez nunca poderemos ter em casa. Cozinhar será difícil se a gente se comparar com quem já cozinha há muito tempo e pensar que nunca conseguirá fazer igual.

    Cozinhar é difícil sim se a gente achar que os erros são o fim do mundo e acreditar que só fará um prato digno se gastar todo seu dinheiro no supermercado com produtos da moda, ou se não estivermos dispostos a aprender com feirantes ou pessoas mais velhas, que carregam conhecimentos ancestrais.

    Cozinhar pode ser fácil!

    Cozinhar pode se tornar um processo alquímico que vem de dentro da gente. Procurar referência, dar uma lida em algumas receitas sem se apegar tanto às quantidades, descascar mais e desembalar menos, acolher os erros, colecionar temperinhos e ingredientes de verdade na cozinha são passos que ajudam bastante nessa busca pela centelha de amor pelo preparo dos ingredientes.

    Para facilitar a vida, trouxe uma outra lista com atitudes para adotar na vida e facilitar a tarefa muitas vezes invisível de cozinhar em casa. Bora?

    1) Encontre referências reais

     

    Foto da Fernanda Villaça no meu último curso 

    Enquanto a gente ficar vendo reality show que vomita regras de “faça e não faça”, como, por exemplo, “a cebola vem antes do alho” e “a cenoura precisa entrar nesse prato cortada à julienne”, cozinhar vai parecer uma tarefa que exige um curso extenso que você talvez nunca possa pagar ou ter tempo para fazer.

    Pra começar a cozinhar a casa, ao invés de só seguir no Instagram pessoas que colecionam milhares de equipamentos que você não tem, siga contas como a da Juliana Gomes, do Comida Saudável Para Todos, e veja que você não precisa estar com uma cara feliz todas as vezes que for para a cozinha para se alimentar direito.

    Tenha como referência mulheres que detém vasto conhecimento culinário e não ficam criando obstáculos sem fim, como Conceição Trucom, Sônia Hirsch, Neide Rigo e Bela Gil. Citei nomes de mulheres brasileiras propositadamente, já que a cozinha é um espaço machista e misógino, que urge ser rediscutido.

    2) Acesse bons livros

    A cozinha é uma coisa sinestésica, que mexe com todos os sentidos. Uma boa forma que encontrei de ampliar as ideias e os horizontes foi investindo em livros. Mas se você não tem grana ou interesse suficiente para isso, tudo bem: sugiro que visite uma livraria de vez em quando e dê uma folheada nos livros. Às vezes passo grandes intervalos em livrarias para entender o que o mundo está falando sobre o assunto.

    Vou sugerir alguns dos livros que li no último ano e me chamaram bastante atenção:

    Bela Cozinha

    A minha cozinha é, de certa forma, parecida com a da Bela Gil. Gosto da simplicidade das receitas e geralmente os ingredientes são bem democráticos. Todos os livros da Bela me agradam, principalmente a partir do Bela Cozinha 2, que tem um viés mais político.

    Dicionário de sabores

    Esse não é bem um livro de receitas, e sim uma bíblia sobre como entender os sabores. A autora, Niki Segnit, traz combinações inusitadas, o que me agrada bastante.

    Ervas e especiarias

    O livro de Jill. Norman é uma excelente fonte para saber mais sobre os temperinhos e especiarias. Fiz esse post aqui, “o segredo está no tempero fresco”, bastante inspirada nesse livro.

    Meditando na Cozinha

    Já falei da Sônia Hirsch várias vezes pois ela é uma cozinheira que respeito absurdamente pelo ativismo, verdade e coerência. O Meditando Na Cozinha é um norte na minha vida. Ela conta casos de forma poética e inspiradora, e ainda traz receitas em forma de prosa, quando li tive a impressão de que estava conversando e tomando um café com a autora.

    Fominismo

     

    Descobri ele através do @gruposaliva, um grupo de estudos que participo

     

    Esse foi o que mais mexeu comigo por conta da pegada feminista. A autora questiona a cozinha pública, onde os “chefs” homens são estrelados, sobrando pouco ou nenhum espaço para as mulheres. O livro da Nora é um soco bom no estômago, recomendo calorosamente.

    Afrodite

    A Isabel Allende é uma presença encantadora. Busque pelas palestras dela no TedTalks, são de arrasar. Afrodite é um dos livros da autora, que traz casos e mais casos, além de receitas e de babar, para agradar os amantes e trazer tons afrodisíacos para a vida.

    Cozinha Extrassensorial

    Não posso deixar de indicar o meu, né? hahaha =) Escrevi esse livro, que contém receitas com óleos essenciais brasileiros. Esse é um projeto meu com minhas duas irmãs mais novas, sendo que uma delas fotografou e a outra editou as fotos. Morro de orgulho do resultado.

    3) Ao ler um livro de receitas, pule direto para o passo-a-passo

    Pegue um livro de receitas qualquer, de preferência que valorize a comida sazonal e local, e pule a parte de ler os ingredientes, que inclusive acho chatíssima. Por mais que pareça loucura, vá direto para o modo de fazer e procure pensar na interação dos ingredientes para além das quantidades.

    O que está deixando o caldo cremoso? O que está dando liga? Existe algum ingrediente que está conferindo acidez, que é um dos gostos básicos? O que você tem em casa que pode ir no lugar do goji berry ou da quinoa, que ao contrário do que dizem por aí, não são “superalimentos” e custam caro?

    A forma mais prática que encontrei para devorar livros e mais livros de culinária, sugando o máximo de conhecimento que posso, foi essa. E ao contrário do que possa parecer, com isso eu ganhei um vasto conhecimento, pois comecei a fazer uma ideia melhor do que combina com o que, fui tendo meus próprios insights. Confesso que não tenho a menor paciência para ficar medindo milimetricamente as receitas.

    Em resumo, ao invés de me decepcionar por que não tenho tucupi para fazer um prato paraense ou dendê para o cozido baiano, tento entender qual o papel desses ingredientes no prato e assim reproduzir em casa como que tenho, da maneira que posso. É libertador, acredite.

    4) Descasque mais e desembale menos

     

    Fotona da @fefavillaca no último Cozinha Da Terra, um dos meus cursos

    Essa é velha, né? Mas se fosse algo tão básico assim, não veríamos bananas descascadas e depois embaladas em plástico filme junto com o insuportável isopor nas gôndolas dos supermercados, tampouco pães com “super cereais” supostamente integrais que, na verdade, contém a farinha integral como quinto ingrediente, como se essa fosse uma coisa aceitável e absolutamente normal.

    A lógica é simples: o capitalismo desmedido e as leis frouxas que beneficiam as grandes marcas nos faz acreditar que as embalagens bonitas nos vendem a facilidade da comida saudável e barata que não suja panelas. Faça um teste: vá ao supermercado e conte quantas embalagens verdes, que remetem à natureza e ao bem-estar, prometem soluções mágicas na primeira mordida. Você vai se surpreender com essa atividade investigativa.

    Basta ler o rótulo para desmistificar a enganação da indústria alimentícia. Se você não sabe pronunciar o nome de um dos ingredientes, pesquise e decida se você realmente quer colocar aquilo dentro do seu corpo. Se quiser, tudo bem, não estou aqui para declarar guerra contra essa indústria, ainda que ela ande de mãos dadas com a indústria farmacêutica, pois sei que existem muitas pessoas, principalmente mulheres, que são tão exploradas nos empregos que sequer têm tempo de cozinhar em casa, de forma que não existe outra alternativa senão consumir os industrializados. Afora muitas são exploradas também pelo próprio marido, né?

    O meu ponto é que a gente pode aprender a consumir melhor.

    Quer um exemplo? Quando for comprar goma de tapioca, perceba que existem marcas e marcas: algumas vendem a goma pura, sem adição química. Outras enfiam coisas ali dentro que só depois de uma longa pesquisa acadêmica poderíamos dizer com absoluta certeza o que são e o que causarão ao nosso organismo no futuro.

    Buscar informação e entender os rótulos é um processo de cura, só assim poderemos fazer escolhas mais conscientes.

    5) Tenha temperinhos naturais para honrar suas preparações

     

    Foto da @laradias

    Na Lista de 10 atitudes para motivar a cozinhar mais em casa, parte I, eu contei como minha vida mudou depois que adotei um armarinho para colocar meus temperos à vista.

    Indiquei também a ida às casas à granel para comprar especiarias secas em menor quantidade, mas como a vida é um aprendizado constante, de lá para cá descobri que muitos desses comércios pulverizam conservantes nos produtos para conservar o estoque.

    Passada a minha tristeza imensa, depois dessa passei a dar ainda mais preferência aos temperos secos vendidos nas feirinhas por pequenos produtores. Se você não sabe onde encontrar uma, pesquise no site www.feirasorganicas.org.br. Se você estiver mergulhado no universo culinário, pronto para dar um passo mais largo na caminhada contra a indústria farmacêutica, quem sabe vale a pena investir numa secadora de ervas? Dá para encontrar boas marcas por aí por um preço não tão salgado.

    Cresci vendo meus pais usando “Tempero Arisco Completo”, aquele do potão vermelho, na maior parte dos preparos. A comida deles era deliciosa, não posso mentir, mas isso tem uma explicação: esses temperos prontos contêm alto índice de sódio, o que literalmente vicia nosso organismo. Desde que saí da casa deles procurei me desvencilhar o máximo que podia dos gostos de sempre, e foi assim que descobri a maravilha dos temperinhos naturais.

    Para justificar a parcial repetição desse tópico na Lista de Atitudes Para Motivar a Cozinhar Mais Em Casa, listei nesse post temperos que não faltam na minha cozinha.  

    6) Adote pratos únicos para se libertar

     

    Uma das fotos do meu livro pelos olhos da minha irmã, @diniloris

    Nas gerações anteriores era bem comum que os almoços em família tivessem várias opções. Só que os tempos mudaram e ouso dizer que as horas escoam mais rápido. Com isso, o distanciamento da cozinha por causa da falta de tempo se tornou cada vez maior, ainda mais diante da cultura brasileira dos self-services com comida a trinta Reais o quilo, feita na maior parte das vezes com muito óleo e bastante sal.

    Como se não bastasse, os deliverys nos enchem de cupons promocionais que vendem comidas que também nunca saberemos como foram feitas, remunerando mal toda a cadeia que está por trás disso, principalmente os motoboys. Vi outro dia uma promoção que dizia bem assim: “não cozinhe hoje e coma a comida que quiser”.

    O fetiche do consumo chegou ao nosso prato faz tempo, e agora, combinado com essa loucura cotidiana cada vez mais presente, fica fácil nos perder.

    Para simplificar a vida, o minimalismo na cozinha é a salvação. Quando a gente descobre que pode assar uma abobrinha cortada em nacos de dois dedos com sal e alguns temperinhos num tabuleiro untado com o óleo que tem em casa, fazer o jantar deixa de ser tão sofrido.

    Aos poucos vamos aprendendo a equilibrar os ingredientes para não ficar comendo sempre as mesmas coisas. Uma boa dica para sair do marasmo é consumir alimentos locais, da estação. A natureza com seus ciclos inteligentes nos diz muito sobre o que devemos comer em cada fase do ano.

    7) Tenha em mente que suas papilas gustativas são moldáveis

    Assim como todas as células do corpo, as papilas gustativas, que moram na nossa língua e são responsáveis pelos sabores, se renovam.

    Então é certo que, insistindo, a gente se habitua a consumir um leque de sabores ao invés de só comer doce e salgado.

    Um exemplo: eu só tomava café com açúcar. Depois de tirar o açúcar da minha vida, o café ficou meio intragável. Porém, com o tempo, passei a gostar do gosto purinho e hoje não consigo tomar café adoçado.

    Tendo isso em mente, a gente pode começar a fazer escolhas mais enérgicas, começando por dar prioridade às folhas verdes escuras, que são mais amargas.

    8) Esqueça as “substituições”

    Sabe aquela velha discussão sobre o que colocar no lugar do ovo ou do leite? A indústria ganha com ela, tanto que há pouco inventaram o tal do “ovo vegano”.

    Um amigo me confessou que acha muito difícil cozinhar coisas diferentes ou sem lactose e isso tem um motivo: ele comprou a ideia das substituições, vendida pela indústria para elitizar a alimentação vegana. Não sou vegana, como o próprio nome do site já diz, mas ultimamente tenho deixado de lado os ingredientes derivados do leite por causa da minha intolerância à lactose.

    Outro dia, conversando com um motorista de Uber, ele me disse que nunca tinha comido um prato vegano. Daí eu contei pra ele que vegano é o velho e bom arroz, feijão e batata, e ele ficou chocado.

    Com isso, comecei a pensar: e se a gente repensar as receitas e parar de querer encontrar um ingrediente substituto para cada ingrediente? E se pararmos de rotular os pratos?

    E se começarmos a procurar conteúdos que mostram minimamente o efeito dos ingredientes? Quem sabe simplesmente observar por nós mesmos?

    Quando a gente deixa de lado essa ideia que temos que seguir uma receita pré-determinada, a vida na cozinha fica mais fluida. É possível falar de bolo sem falar de ovo, é possível criar um molho branco sem maisena ou farinha de trigo. Viva a criatividade! E por falar nela…

    9) Crie, crie, crie

     

    Já viu essa minha receita de estrogonofe de cogumelos feito com creme de castanha?

    Não ter medo das sifudências é essencial para cozinhar mais, já falei disso no post “o que cozinhar ensina sobre viver a vida”. Quando a gente perde o medo de errar, se abre para criar coisas novas. Que tal, ao invés de se espelhar em estilos culinários já existentes, criar seu próprio estilo?

    Me enche de orgulho criar uma receita nova, por isso não tenho mais medo de errar. Vou testando diferentes ingredientes e quantidades e ainda chamo os amigos para a empreitada. Dia desses uma amiga veio tomar um café. Quando ela chegou, eu tinha bastante resíduo de leite de coco, por isso resolvemos criar uma receitinha de cookie adicionando farinha de grão de bico, que dá uma certa liga, anis estrelado macerado, óleo de coco e açúcar de coco para adocicar. O resultado não ficou tão bom, mas já marcamos de encontrar de novo para tentar outra vez, substituindo a farinha de grão de bico pela aveia em flocos finos, pois o gosto do grão de bico tomou conta de tudo, deixando pouco espaço para o coco.

    10) Adote o ato de cozinhar como um manifesto político

    Dia desses uma amiga falou: “devemos escolher quem queremos empoderar com o nosso dinheiro”. Essa frase mexeu comigo pois ela traduz o que penso quando compro de um pequeno produtor. Ao invés de escolher um grande supermercado para comprar açafrão da terra que nem sei onde foi plantado, faço questão de comprá-lo na mão da dona Vera, uma senhora que faz feira aqui perto de casa. E isso serve para qualquer outro ingrediente.

    Cozinhando a gente pode criar diferentes demandas de mercado, empoderar pequenos produtores, criar uma resistência à indústria alimentícia que nos empurra produtos que fazem mal, meditar cortando cebolas e principalmente cuidar e entender nosso corpo físico e mental, além de aprender nossos próprios limites.

    Fui descobrir uma intolerância ao alho observando que, toda vez que exagero a mão na hora de temperar, fico arrotando um tempão. Como eu descobriria isso se não soubesse o que tem na minha comida?

    Cola comigo?

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